segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

CONTAS ELEITORAIS

Este ano vai haver eleições autárquicas e as estruturas de poder local entram em ebulição. Desde logo, é preciso escolher o cabeça de lista e os outros candidatos, depois preparar a campanha e cativar os eleitores. Tudo isto envolve, muito directamente, muita gente.
Parte do êxito eleitoral de uma recandidatura depende da obra dos últimos 4 anos. Mas também vale a pena ter uma ideia das dívidas contraídas. Porque com meios alheios é fácil dar nas vistas mas no futuro isso vai ser pago.
A dívida total de uma Câmara envolve a dívida bancária, a dívida obtida por titularização de activos e as dívidas a fornecedores/outras entidades.
Já há autarquias que optaram pela titularização. Por exemplo, a Câmara de Cascais tem dívida emitida que sofreu em Janeiro um downgrade – uma avaliação negativa – para Aa2. Parece útil que os eleitores de Cascais tenham esta informação para a integrarem no processo de decisão autárquica. A emissão de dívida, ao contrário do que se pode pensar, pode ser um factor positivo na avaliação da gestão financeira do executivo porque mostra que um município cumpre um conjunto de exigências. De outro modo não há emissão de dívida. Por exemplo, no caso de Cascais a avaliação feita no Relatório da Agência Moody’s é:
"Cascais has maintained solid controls over costs and managed
to repay its accumulated debt obligations to suppliers through
its high operating margins. Furthermore, investments are to a
large extent self-financed and liquidity reserves are more than
adequate,"
Em relação ao total da dívida, deve conhecer-se a sua dimensão absoluta e relativa (face a indicadores da autarquia), o destino dado aos fundos e a forma como são geridos.
Para a generalidade das Câmaras a dívida bancária é fundamental. Aparece reflectida nos empréstimos de outras instituições não monetárias à Administração Local, valores divulgados pelo Banco de Portugal (BP).
Podemos ver que esses empréstimos dependem entre outros factores do calendário eleitoral (gráf seguinte). A esta oscilação financeira dependente do calendário eleitoral chama-se ciclo político. A sua justificação é óbvia: tendo uma vantagem comparativa pelo facto de deterem o poder, os executivos camarários tendem a concentrar as obras/despesas no período antes das eleições para potenciarem o seu impacto eleitoral. É dos livros.

Nas eleições de Dezembro de 2001 este agregado acelerou desde Maio de 2000 de 15% para mais de 35%. Percebe-se que este foi um período em que os executivos estiveram à beirinha do paraíso. Nas eleições de Outubro de 2005 esse efeito não foi tão forte (de 7% acelerou para 9%) – aqui já as finanças nacionais não davam margem. Actualmente e apesar da crise o aumento pré-eleitoral já se nota desde 2008 (ver gráf. do período 2004-2008).

O que há a destacar?
Bom, nesta década o ciclo político é evidente: aceleração da dívida bancária antes das eleições e a sua contenção 6 a 8 meses depois. Também se regista que durante toda a década não houve redução da dívida bancária. Terceiro, a margem para o aumento do endividamento tem-se reduzido. E por fim, destaca-se o volume da dívida das Câmaras à banca em Novembro, quase 5 biliões de euros (dados do BP).
Face a isto o que se pode dizer dos eleitores que se contentam com as obras no pelourinho, ou com o arranjo da praça central, ou com o cheque ao clube da terra, ou com a nova rotunda à entrada da vila? Que andam distraídos, muito distraídos.
Vamos ver se é este ano que alguém fala das dívidas actuais e futuras. Vamos ver se temos mesmo atenção às contas e deixamos a política de quem vier atrás que apague as luzes. Isto porquê?
(E agora voltamos a Cascais.)
O downgrade da dívida de Cascais não tem a ver com razões locais. Cascais vai pagar mais pela sua dívida porque todos vão pagar mais (e cá está a maldita crise). Os bancos também vão ter de cobrar mais pelos empréstimos aos municípios. Hoje, esta é a regra: o aumento do risco financeiro impõe custos acrescidos aos devedores.
Esta é uma razão suplementar para que este ano os eleitores não escolham em função das obras de fachada e tenham também atenção às dívidas. E, já agora, elevem o nível do debate, exijam que os executivos e as oposições apresentem programas quantificados. Exijam ver o que está debaixo do tapete.
Descurar as dívidas é descurar o futuro.
Exigir transparência é contribuir para uma melhor gestão financeira das Câmaras nos próximos 4 anos.

Depois façam a cruzinha.

Luis Rosa

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