TEMPOS HISTÓRICOS
A crise que está aí é a mais grave desde 1929.
Falências de bancos, desaparecimento numa semana da banca de investimento dos EUA [ Goldman Sachs, Morgan Stanley, Lehman Brothers e Merrill Lynch ], desaparecimento de mercados de derivados, queda das bolsas, paralisia do mercado interbancário e subida das taxas de juro, injecções de liquidez pelos bancos centrais, alargamento dos spreads, aumento da volatilidade, ie da incerteza, em todas as áreas financeiras. E é melhor parar a listagem por aqui.
Falhou profundamento o modelo anglo-saxónico de liberalismo absoluto. O modelo que assenta numa tese cada vez mais contestada: a de que, em cada momento, o mercado é eficiente e os preços fair. Neste modelo o mercado até dispensa reguladores porque os agentes racionais encontram permanentemente o equilíbrio. E daí resulta que, segundo esta tese, ninguém pode achar-se tão esperto que possa dizer que os preços estão completamente desfasados do razoável.
Mas este modelo, que permitiu o inchamento do sector financeiro e dos lucros durante anos e permitiu que os gestores bancários ganhassem mais do que a malta do Manchester, acaba abruptamente no momento em que o Estado líder do capitalismo liberal começa a socializar os prejuízos – intervenção em bancos, seguradoras, agências estatais e agora com o Plano Paulson de 700 biliões de dólares. Só falta a Bush, antes da despedida, formatar um Plano Quinquenal.
Mas deixemo-nos de teorias. O que é que se passou?
A perspectiva reptiliana não merece grandes considerações. O eleitorado republicano precisava de um culpado e o Sr. McCain apressou-se a dar-lho. Prometeu que quando for eleito vai correr com o responsável pela SEC (Securities and Exchange Commission) e o assunto fica por aqui…
A nível menos básico há a ideia de que afinal o que se passou foi apenas que houve uns gananciosos que conseguiram ultrapassar as regras impostas pelos reguladores e enganar as agências de rating para encherem os bolsos indevidamente. Solução: vamos melhorar as regras e exigir mais responsabilidade ao rating e aos gestores e isto não volta a acontecer.
Mas será assim? Esta será uma crise financeira, ponto?
A crise surgiu do sub-prime imobiliário dos EUA. Engenhosos transformaram um produto que não tinha expressão devido ao seu risco elevado – hipotecas a pessoas com baixa capacidade para cumprir o serviço da dívida com a compra de casas – num ícone da inovação financeira e espalharam-no pelos balanços de metade do Mundo, infectando em especial, países como a Inglaterra que tinham o mesmo modelo de negócio bancário.
Mas porque é que os bancos se envolveram nesta jogada de risco?
As instituições financeiras funcionam como qualquer outra empresa e procuram o lucro e a sobrevivência. E esta veio durante anos de aumentar o crédito e deslocar os investimentos para áreas que davam algum retorno acima dos simples depósitos. Isto é lógico. Com taxas de juro nos EUA em 2% os bancos tinham todos os incentivos para pensar em investimentos alternativos e as famílias em pensarem em conseguir finalmente financiamento para uma casa.
Mas porque é que as taxas de juro estavam tão baixas? A resposta não é difícil. O Fed manteve as taxas muito baixas durante anos por reacção à crise accionista de 2001 na ilusão de manter a economia americana num trajecto de crescimento permanente. Os americanos aproveitaram a folga e os níveis de endividamento foram para a estratosfera. Não estamos a falar desta ou daquela família ou região mas do país com a maior dimensão económica do Mundo. O que os EUA devem ao resto do Mundo - à China, ao Japão, aos sheikes do petróleo - é colossal.
O que se vai seguir não vai ser o despedimento do responsável da SEC, nem chega melhorar a regulação financeira. Os EUA estão decididamente num percurso descendente. Vão entrar em recessão severa para recuperarem equilíbrios macroeconómicos há muito perdidos e vão arrastar a Europa para um período complicado, em especial os países mais endividados e onde o imobiliário esteve em grande efervescência.
Mas, nem tudo será mau. O liberalismo descabelado que envolve a confusão actual vai hibernar por umas décadas. Ah, já me esquecia, e o BCE vai baixar rapidamente os juros.
Luis Rosa
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