OUTROS CARNAVAIS
(C´A D´ORO)
"Uma máscara é o retrato que escolhemos para nós.
Claro que foi Casanova quem primeiro me ensinou o que é usar uma máscara: a sensação de liberdade repentina e perigosa quando o nosso rosto está escondido dos que nos rodeiam, todos deviam experimentar, para verem o que se encontra escondido dentro de si mesmos. Pois a máscara abre perversamente ao mundo esse nosso lado. Podemos fazer tudo! Podemos permitir tudo. Corremos mais riscos. Pomos a descoberto as nossas partes privadas para fornicar com estranhos mascarados, mas não tiramos a máscara da cara. Pomos comidas desconhecidas na boca; andamos demasiadamente perto da beira do canal. E não sabemos quão perto porque não temos visão periférica, pois a máscara diz-nos o que quer, assim como diz aos outros o quanto podem ver de nós e o que deverão fazer de nós.
Certa noite, eu e Casanova saímos juntos, mascarados, e ele mostrou-me os locais por onde andara 30 anos antes. Deve ter sido a primeira vez que eu usei uma máscara: não me lembro de nenhuma ocasião anterior. Casanova havia escolhido Pulcinella, com um nariz curvo e um solidém branco. Para mim, trouxe La Civetta, a namoriscadeira, com os seus grandes olhos de coruja e um enfeite de renda dourada para esconder o meu nariz e os meus lábios. Mas recordo-me claramente como me senti quando ele atou as fitas por trás do meu cabelo e me voltou de frente para si. Fitou-me com expectativa. A minha transformação interior foi instantânea. Uma vez dentro da máscara, senti-me poderosa e perigosa. Senti que podia violar e assassinar. Senti que podia entrar no palácio dos Doges e seduzir o lacaio e o doge. Perdia o meu lugar na sociedade. Já não era Cecília Cornaro, filha de um dos mais respeitáveis e próspero comerciante. Podia ser quem eu quisesse."
in " Carnaval em Veneza" de Michelle Lovric
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