terça-feira, 17 de julho de 2007

A UTOPIA COMO MODO DE VIDA ou A TRISTEZA DE SER POBRE EM CASA RICA - Fausto Nascimento "dixit"

O Algarve, terra de paisagens ricas em cor e pobres de recursos tornou-se, a partir dos anos 70, na última fronteira dos empreendimentos turísticos europeus.
A população algarvia do litoral, ansiosa de observar a riqueza que estranhos arrancavam da sua terra, motivou-se para a transformação.
E o litoral algarvio transformou-se então naquilo que, bem ou mal, é agora uma poderosa máquina de produção de bens económicos, bens esses que foram distribuídos na maior parte pelos investidores que arriscaram montar a indústria turística que hoje conhecemos. Grande parte da população algarvia ficou no entanto arredada desta distribuição. Como solução, migrou do interior para o litoral e adaptou-se a prestar serviços à macro maquina turística litoral, ou então, resistiu, agarrou-se aos locais e terras interiores que são suas e esperou, ouviu promessas eleitorais de desenvolvimento e emprego e … desesperou.
Os cidadãos políticos comuns não são reconhecidos pelo povo como cumpridores de promessas, e os governos e poderes que os mesmos estruturam, legislam a pensar mais no bem-estar de uns, que de outros (diz o povo, longe da vista, longe do coração), e Lisboa é tão longe, tão longe, …
Planos de Desenvolvimento Regionais, Planos de Desenvolvimento Municipais, Planos de isto e daquilo, todos eles dizem que sim, que é agora que o interior algarvio vai deixar de ser o parente pobre e esquecido. Bom seria…
O Baixo Guadiana é um exemplo gritante da ineficácia das políticas de ordenamento territorial dos governos de Portugal. Potencialmente rico, romanos em tempos idos dele extraíram trigo, cobre e ouro, e no momento da globalização e da integração europeia é pobre e obrigado a sê-lo cada vez mais. Os legisladores da adesão à união europeia decidiram que o interior seria a reserva zoológica, florística e ambiental, a mostrar aos visitantes, devendo quem lá vive ser o actor passivo de um comédia de esquecimento e estupidificação em que o melhor seria esconderem-se para não destoarem das paisagens naturais que outros pretendem mostrar para deleite dos mesmos visitantes.
É triste a insensibilidade que as leis ambientais mostram pelos cidadãos. Rede Natura, Parques Naturais, Reservas Ecológicas, Reservas Agrícolas, Protecções a habitats, etc., protegem valores importantes, mas não protegem os homens e o seu bem-estar e deveriam fazê-lo. Falta bom senso na conciliação dos valores patrimoniais com os valores humanos. Protegendo, pensando-se no homem, protege-se a natureza, pois ele é e sempre será, o seu principal actor. Prova de tal é o pouco que restam hoje das paisagens naturais onde o homem nunca exerceu qualquer actividade. Ganhando as populações para o desenvolvimento local, ganham-se os homens para a conservação dos valores naturais e patrimoniais em que sempre viveram. O Baixo Guadiana poderá ser um laboratório vivo de desenvolvimento sustentável (como é moda dizer-se).
Existe latente o perigo real, que os termos Biodiversidade, Reservas e Parques Naturais, Habitats Fauna e Flora não espelhem a importante imagem patrimonial que representam. E que os mesmos sejam entendidos pelos cidadãos pobres do interior como os carrascos do direito à riqueza, bem-estar e qualidade de vida que a constituição portuguesa diz ser de todos os cidadãos e não só de alguns.
Uma legislação confusa, mal estruturada e pouco adaptada à realidade das regiões, funciona ao contrário do que se pretende. É tempo de aparecer a coragem de corrigir leis ineficazes, deixando de promover desertificações e desigualdades sociais (mesmo que encobertas por boas intervenções). Talvez assim apareça a tal faísca primeira que dinamizará a economia regional e nacional para uma convergência com as outras economias do espaço da união europeia. Os senhores governantes, desta pobre república bem podiam meter as mãos na consciência e fazer com que as populações de Montinho, Azinhal, Guerreiros do rio, Alcoutim, Martinlongo, Almada de Ouro e todo o vale do Guadiana não percam a esperança de poderem um dia ser cidadãos europeus, (como hoje até dizem acontecer mesmo sabendo que não é verdade).
Por: Fausto Hidalgo do Nascimento (arquitecto paisagista)

1 comentário:

Anónimo disse...

Estimado,
O fundamental da questão foi focada nestas linhas. A desertificação humana do interior não acontece por acaso, nem sequer pela falta de amor há terra dos naturais daquelas povoações que até parecem longínquas...